Genética e Genealogia

Há muitas nuances que vale a pena entender, no que diz respeito à herança genética, mas os factos convidam à moderação de asserções que a genética, a genealogia e a etnolinguística podem não consubstanciar.

Só com verdade, prudência e humildade honramos os nossos ancestrais. Sobretudo, aqueles que pertenceram a povos injuriados e perseguidos, e a todos os colonizados e escravizados, ao longo da História, entre os quais se contam os vários Celtas, que também colonizaram e tomaram escravos entre si. Viver em negação deste e de outros factos relativos aos Celtas seria tão aberrante e imperdoável quanto negar que aconteceram pela mão dos Romanos e dos Árabes, entre outros. Grande parte da população mundial descendente de europeus e de anatolianos tem ancestralidades celtas.

Procuro viver sem ilusões nem generalizações acerca do alegado cocktail de genes dos portugueses, que são incompatíveis com a genealogia e a genética de cada pessoa. Existe uma grande margem de imprevisibilidade na distribuição dos genes. Prova disso é que as etnicidades e percentagens herdadas podem ser diferentes em irmãos, mesmo sendo gémeos idênticos.

Quanto a pessoas que alegam saberem as etnicidades dos seus genes, bem como dos familiares e amigos, mesmo sem realizarem os chamados “testes de ancestralidade”, e que anunciam nas redes sociais uma “ascendência gaélica” sem apresentar evidências nem referir quaisquer antepassados de origem insular, é legítimo questionar quais são as suas bases. Transmissões espirituais? Probabilidades geográficas?

No que me diz respeito, eu tenho pesquisa feita e artigos publicados, com todas as referências documentais, dos quais qualquer pessoa pode beneficiar. Fico feliz por saber que ajudo algumas pessoas a compreenderem as razões de ser da ascendência gaélica em território ibérico, esteja ela ou não explicita enquanto etnicidade genética herdada. Quem menciona heranças genéticas e ADN deve tentar inteirar-se acerca daquilo de que fala, neste e noutros aspetos da Ancestralidade e da ascendência gaélica, em particular.

É notória a falta de literacia genética, quando alguém se refere às variantes imaginárias do seu ADN. Na verdade, a não ser em casos excepcionais, é difícil ver identificados grupos genéticos restritos em território nacional, e ainda mais um ADN específico, que faça prova de quem descende de gente de qualquer região portuguesa. Acerca do facto de alguém afirmar que no seu corpo existe “ADN celta”, eu abordo esse absurdo em Migrações Celtas, onde também refiro o que está por detrás do logro que inspira a lenda dos Milesianos, na qual muitas pessoas se baseiam para reclamarem ascendência gaélica.

Quanto à epigenética, que por vezes também é evocada erradamente, não importa quanto ar se respire, quantas vezes se visite, nem quanto tempo se permaneça num local, porque só poderá haver alterações, no máximo, a nível do fenótipo, enquanto o ADN permanecerá inalterado. Da mesma forma, as células fetais que permanecem no corpo de uma mulher que esteve grávida, não alteram o ADN dela. É impossível ganhar etnicidades genéticas ao longo da vida.

Nenhuma asseveração daquele género é válida, nem sequer quando se trata dos filhos. Não basta assumir que eles herdam genes de todas as etnicidades presentes nos seus progenitores, dizendo que por parte de mãe nasceu com tudo isto e da parte de pai com tudo aquilo. São precisos vários filhos para que os genes de duas pessoas fiquem bem representados, porque apenas um não irá herdar toda a diversidade genética dos seus ascendentes diretos. Se os dois perfis genéticos não são semelhantes, só quatro ou mais filhos irão representá-los totalmente, enquanto dois ou três filhos de uniões endogâmicas poderão ser suficientes para esse efeito, na melhor das hipóteses.

Os nossos corpos não são como lagoas onde confluem as águas de todos os riachos genéticos dos nossos antepassados, onde existem percentagens que nos chegam de cada um daqueles que nos precederam. Nem somos como campos arqueológicos, nos quais estão depositados os extratos sucessivos das etnicidades de todos os nossos ancestrais, das mais antigas até às mais recentes. Mais do que o simples resultado de todas as mestiçagens que nos precederam, somos consequência da hereditariedade aleatória de sucessivas adições e exclusões genéticas.

A cada geração, secções inteiras de genes de diversas etnicidades podem ser deixadas de fora da equação genética. A totalidade do legado genético de cada um dos nossos ascendentes diretos é cortada sensivelmente ao meio, de forma brusca e sem dar lugar a que todas as etnicidades da nossa ancestralidade fiquem representadas, mesmo que apenas em pequena percentagem. Muitas serão simplesmente excluídas, enquanto outras podem passar de geração em geração, praticamente intactas e até reforçadas por acumulação consecutiva.

Existem muitos “testes de ancestralidade”, mas poucos são minimamente fiáveis e esclarecedores. Um deles, com fim lúdico, até compara o ADN dos clientes a grupos genéticos da Antiguidade! São testes meramente especulativos, não servem de evidência para que ninguém reclame seja o que for. É quase tão absurdo como alguém que não fez qualquer teste afirmar que tem ADN de determinadas etnicidades.

Mesmo na presença de resultados, a natureza dos “testes de ancestralidade” é demasiado experimental, variável e vaga. Requerem um forte enquadramento histórico, que promova maior entendimento das razões de ser de meras percentagens de etnicidades, que são geradas com base nos dados genéticos de pessoas viventes e num algoritmo.

Foi esse cruzamento de dados genealógicos, pesquisa histórica e resultado de teste genético que eu fiz. Dessa forma é possível corroborar inferências e tirar conclusões fundamentadas. Os meus resultados genéticos, conquanto gratificantes, são apenas mais um passo na investigação das minhas ascendências galega e espanhola, irlandesa e britânica, bretã e francesa, piemontesa e italiana. Assim como das magrebinas marroquina, argelina, e tunisina, acerca das quais não tenho qualquer evidência documental e posso apenas conhecer de um ponto de vista histórico, muito impessoal.

Na mesma empresa de testes, dependendo das versões, os resultados podem mudar, com etnicidades que surgem e desaparecem do mapa. À medida que os algoritmos mudam, os dados são refinados e reinterpretados. Isto pode ser confuso ou dececionante, se as alterações não forem compreendidas. Ninguém deve basear-se unicamente neles nem usá-los para reclamar ascendências e heranças genéticas. Na empresa que criou o teste que realizei há vários anos, a versão 2.5, lançada em 2025, tem gerado questões muito pertinentes e a necessidade de maior literacia nesta área.

De seguida, publico os resultados do meu teste, conforme a primeira e a segunda versões, que são complementares. Uma não anula o resultado da outra. É importante notar que, por exemplo, as etnicidades portuguesa e espanhola, catalã e basca foram criadas recentemente, o que afasta a necessidade de caracterizar a diversidade que nelas existe através da comparação com a etnicidade irlandesa, escocesa e galesa. O que não quer dizer que em muitos portugueses, galegos, asturianos e bascos, entre vários outros não mencionados, não exista aquele legado insular britânico. Da mesma forma, os norte-africanos (marroquinos, argelinos, tunisinos) têm alguma ancestralidade nigeriana e das regiões adjacentes.

Infelizmente, quem não tiver acesso à versão anterior, pode não ficar elucidado nem sequer desconfiar que tem aquelas ancestralidades, o que é lamentável e evidencia a necessidade de fundamentação histórica e genealógica. Procuremos conhecer e honrar as vidas e provações daqueles que estiveram por detrás destas percentagens espalhadas num mapa! Como é evidente, se me baseasse apenas na primeira versão, eu não teria evidência genética das minhas ancestralidades italianas e francesas. No entanto, eu tinha todas as provas genealógicas desse facto e, para que não restassem dúvidas, os resultados dos testes dos meus ascendentes diretos sempre corroboraram isso, de forma inequívoca. Para minha felicidade, a versão 2.5 revelou que também herdei a genética dessas etnicidades, entre outras.

Por outro lado, muitos entusiastas inferem ancestralidades e até heranças genéticas, através dos apelidos. As origens, as moradas, as vivências e os ofícios dos antepassados podem estar explícitos na antroponímia. No entanto, sem dados genealógicos concretos, a margem de dedução e acaso daquela abordagem é abissal. Deixa amplo espaço para suposições e fiúzas, que servem alguns propósitos e, muitas vezes, apenas os egos. Que se baseiem nas origens, por vezes obscuras, dos nomes de família para determinarem perfis genéticos de ancestralidade, e até afirmarem ter “ADN celta”, demonstra um desconhecimento inconsequente.

Entretanto, fazem referências às migrações celtas, com menção a apenas uma rota ibero-britânica, numa tentativa inventiva de darem credibilidade a uma “ascendência gaélica”, que afirmam ter, mas que fica por investigar. Aplicam a designação etnolinguística que reporta exclusivamente à Irlanda, à Escócia e à Ilha de Man, apesar de não mencionarem evidências da existência de antepassados de nenhuma etnicidade da Celtic fringe insular.

Ainda que seja uma crença pessoal inveterada e uma possibilidade a averiguar, a alusão fugaz a supostas ascendências é leviana e soa a uma necessidade banal de rápida afirmação. Sobretudo, quando isso acontece em perfis sociais de criadores de conteúdos, perante alguns milhares de seguidores. Nem todos serão desconhecedores, ainda que optem por não se pronunciar acerca do que lêem e assistem. Infelizmente, a propagação de alguns credos e logros pode resultar em oportunidades perdidas.

Quanto às minorias étnico-religiosas judaicas, elas são evocadas com frequência, como estando muito representadas no ADN dos portugueses. Porém, ninguém deve alegar ter quaisquer genes judaicos, em particular sefarditas, sem sequer procurar confirmação, a qual será sempre relativa, tratando-se de “testes de ancestralidade” largamente especulativos. Nem que possua provas genealógicas inequívocas, o que é difícil para a generalidade dos portugueses e seus descendentes além-fronteiras.

As nossas ancestralidades, por vezes incertas, são um ponto nevrálgico, que incentiva a reconsiderações, mas que leva algumas pessoas a elaborarem conjeturas com base em apelidos com origens pré-romanas indeterminadas. A prática é semelhante à de presumirem ascendências judaicas, com recurso a extensas listas onomásticas, que incluem centenas de apelidos largamente disseminados. Apesar das clarificações oferecidas por genealogistas especializados na problemática dos cristãos-novos, milhares de pessoas continuam a deixar-se induzir em erro.

Os apelidos sempre foram comuns a famílias de diversos grupos étnico-religiosos e adotados por forasteiros de várias origens, que nem se coibiam de usar o nome da Sereníssima Casa de Bragança. Poucos podem, eventualmente, indiciar ascendências sefarditas, com alguma precisão. Da mesma forma, é paródico pensar que apelidos ibéricos de pessoas viventes possam ser usados para tentarem reclamar ou comprovar uma ancestralidade celta, inclusivamente ao nível da genética. Por mais que ela seja verosímil, de acordo com as circunstâncias históricas.

A respeito das origens genéticas, podemos ler os livros e pesquisas do Prof. Stephen Opphenheimer, do Prof. Bryan Sykes, e do Prof. James P. Mallory, e as conclusões de estudos desenvolvidos pelo Prof. Peter Donnelly, e pelo Prof. Dan Bradley, entre outros.

Imagem de destaque:

Detalhe do Livro de Kells, Leabhar Cheanannais, 800 da Era Comum; Dublin, na Trinity College Library.

Para ler mais…

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