Origens da Lenda do Rei Artur

A Lenda do Rei Artur sempre foi cristã céltica e europeia medieval, mas surgiu de fontes mais antigas e preserva subtis e inequívocos elementos simbólicos de raíz celta, da maior relevância. Os contos da tradição oral, no final do primeiro milénio, vieram a ser incluídos no acervo manuscrito ao qual, em larga medida, se deveu o surgimento, muito mais tardio, da Lenda do Rei Artur.

É fundamental deixar claro que nenhuma alusão à Lenda do Rei Artur foi escrita antes do final do primeiro milénio. A presença romana e a cristianização não foram determinantes para o surgimento da Lenda Arturiana. Nem a lenda, sendo cristã medieval foi marco da cristianização da Grã-Bretanha ou da Europa ocidental. Veio tarde para isso, com todas as suas referências célticas, pré-romanas e pré-cristãs.

Os contos que a inspiraram deveram o seu florescimento à Ressurgência Céltica Britânica, em plena fase de metamorfose religiosa. A Lenda do Rei Artur passou por muitos estágios, até existir como tal. Não surgiu subitamente no século V, muito menos com a configuração dos modernos romances arturianos. Essa terá sido a altura em que existiu a figura histórica que veio a inspirar a personagem.

Para entender plenamente a Lenda do Rei Artur, é essencial conhecer os seus primórdios; a Mitologia Irlandesa, os contos dispersos registados a partir da oralidade galesa em obras como o Llyfr Du Caerfyrddin, as Trioedd Ynys Prydein, e o Mabinogion, as crónicas eclesiásticas da Alta Idade Média, a abordagem pseudo-histórica de Geoffrey of Monmouth, que delineou todas as versões posteriores; das inglesas e francesas às ramificações germânicas, itálicas e de leste.

De outra forma, não é possível compreender em que contexto e com que intenção surgiram os diversos elementos e personagens, para conseguirmos destrinçar aquilo que eles preservam de céltico, das influências clássicas, dos valores espirituais e religiosos cristãos, das questões sociopolíticas inglesas e europeias, e das recentes apropriações.

Podemos também considerar a importância de algumas correspondências nórdicas, assim como citas e sármatas, em particular as alanas; ou seja, as dos povos iranianos da Eurásia, vincadamente equestres. Este tópico foi desenvolvido no livro de C. Scott Littleton e Linda A. Malcor, From Scythia to Camelot, que tem sido considerado por muitos académicos como o mais importante na matéria.

Foi da Gales céltica britónica, de tradição oral, com muitas influências célticas gaélicas dos colonos da Éire, que emanaram os primeiros contos e poemas que viriam a inspirar a Lenda do Rei Artur.

Llyfr Du CaerfyrddinLivro Negro de Carmarthen, é considerado o manuscrito mais antigo escrito apenas em galês. É uma coleção de poemas do século IX e X, que inclui o poema Geraint uab ErbinGeraint filho de Erbin, que numa estrofe descreve o amerauder, o imperador Arthur, tal como foi visto em Llongborth, comandando bravos homens que lutavam com aço. É considerada a primeira descrição do Rei Artur. No texto Englynion y BeddauVersos do Túmulo, do mesmo manuscrito, é feita referência à sepultura de Arthur como sendo um dos mistérios do mundo, e também inclui uma das primeiras menções a Gawain, então chamado Gwalchmai, reclamando que a sepultura dele é em Peryddon, onde a nona vaga flui.

A primeira alusão a um dux bellorum, que pode ser conotado com um rei Artur histórico, surgiu numa compilação de várias fontes, em 829 – 830, na Historia Brittonum, a História dos Bretões, da autoria de um clérigo de nome Nennius, que estaria sob a patronagem do rei de Gwynedd, no País de Gales. A obra, escrita em latim, incluía os Annales Cambriae, uma crónica onde há duas menções a um Arthur. Na entrada acerca do ano 537, é referida a Batalha de Camlann, na qual Arthur e o seu rival Medraut pereceram. De notar que, Medraut, que serviu de inspiração para as representações posteriores da personagem Mordred, não era apresentado como filho de Arthur, mas como seu opositor.

Entre 1123 e 1139, na sua De gestis Britonum ou Historia Regum Britanniae, História dos Reis da Bretanha, Geoffrey of Monmouth, ou seja, Gruffudd ap Arthur, um galês de ascendência bretã, com influências normandas, foi o primeiro a reunir as várias fontes para apresentar ao mundo medieval o seu King Arthur, que surge juntamente com Merlin e com outras personagens inspiradas em fontes mitológicas e lendárias, históricas e pseudo-históricas. Uma delas é Mordred, que também não surgiu aqui como filho de Arthur, mas como homem de confiança que o rei deixa a governar o reino, durante uma das suas batalhas, que foi, curiosamente, contra Roma.

Imagem de destaque:

William Bell Scott (1811-1890); King Arthur Carried to the Land of Enchantment, óleo sobre tela, 1847.

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