No original de Geoffrey of Monmouth, que criou a personagem Mordred, este usurpou o poder e casou-se com Guinevere, forçando Arthur a regressar à Bretanha e a defrontá-lo mortalmente em Camlann. Vejamos por que razão um e o outro se casaram com esta personagem.
Com o reflorescimento cultural céltico, durante o período da Ressurgência Céltica Britânica, surgira a necessidade de plasmar nos contos orais galeses os seus valores ancestrais, que a Mitologia Celta perpetuou e que o Cristianismo Céltico não obliterou.
Uma das provas da persistência das personagens mitológicas está eternizada no casamento de Arthur com Guinevere. Em hipótese alguma pode ela ser resumida a uma cristã, como muitos crêem. Este é o erro que algumas pessoas se limitam a repetir, sem conseguirem facultar mais nenhuma referência.
É dessa forma superficial que Gwenhwyfar está caracterizada em The Mists of Avalon, aquele que é o mais influente romance best-seller contemporâneo de inspiração arturiana. Ela é como uma encarnação cristã de Helena de Tróia, numa das suas expressões mais amedrontadas, infelizes, inférteis e violentadas, para prazer dos leitores mais perversos.
Esse foi o livro que informou a perspetiva de muitas pessoas relativamente à Lenda Arturiana. Durante décadas, em alguns círculos, esta obra foi considerada a única referência válida à Lenda do Rei Artur. A ponto de invalidarem a Literatura Arturiana, que compreende prosa e poesia escrita por homens cristãos.
O nome Guinevere está etimologicamente ligado ao galês Gwenhwyfar e ao anglo-córnico Jennifer, surgiu em contos galeses, que vieram a estar representados nas Trioedd Ynys Prydein, as Tríades da Ilha da Britânia ou Tríades Galesas, e é a evocação arturiana da irlandesa Findabair ou Finnabair. Significando o seu nome “Nascida do Branco” e “Fantasma Branco”, ela é a belíssima filha da Rainha Mebd de Connacht e do seu marido Ailill mac Máta. Ou seja, é uma das faces da Soberana, da própria Mebd. No Táin Bó Cuailnge, ela é aquela que morre de desgosto, com o coração destroçado, após a derrota fatal do seu amado Fráech, no decurso do combate aquático com o frenético e invencível Cú Chulainn.
Tal como Uther Pendragon, que significa Gloriosa Cabeça das Tropas, Guinevere é uma das personagens da mais pura Raiz Celta na Lenda Arturiana. Ela é a Soberana, e é só através dela que qualquer homem que se torne rei pode legitimar o seu reinado, por ser com a Soberania imaculada que ele se compromete; não com o cristianismo, conforme é apresentado em The Mists of Avalon. No contexto céltico britónico, Arthur é o equipolente do Rei do Mundo e Guinevere, Ginevra, Ginebra, Genebra, uma “branca nevada”, é uma personificação alegórica da Soberania.
Esta referência não alude simplesmente à união do Rei do Ano com a terra, representada pela jovem Rainha de Maio, com o propósito de garantir a prosperidade de todo o reino. Seja como for, o casal Arthur e Guinevere é incapaz de ter filhos; ou porque o rei não consegue fecundar a rainha, ou porque as gestações não evoluem. Em diferentes versões da lenda, a causa do problema não é clara, porque tanto pode ser a ausência de relação sexual consumada, o castigo pelo adultério mútuo, a falta de fé cristã, ou a falta do ritual pré-cristão.
A Soberania, que é um tema celta, por excelência, é representada na Mitologia Irlandesa pela Taça da Soberania, a qual evoca o Caldeirão de An Dagda, e é sublimada pelo Graal, no mundo cristão. Portanto, não só compreende como também transcende os aspetos de fecundidade e abundância, acrescentando-lhes a noção de autonomia, que foi fundamental à sociedade celta da remota Éire.
Imagem em destaque:
Julia Margaret Cameron (1815-1879); The Parting of Sir Lancelot and Queen Guinevere (Ilustração para Idylls of the King and Other Poems, de Tennyson). Modelos: Andrew Hichens, May Prinsep. Impressão fotográfica: albumina, 342 x 266mm (13 1/2 x 10 1/2″), 1874.

