Abordo a Ancestralidade a partir de um lugar de reverência às pessoas que me precederam, às terras que as acolheram, às vivências que as moldaram.
Eu não tenho ascendências. Eu não tenho ancestralidades. São as minhas porque delas descendo. Para me inteirar de quem sou, não posso nem quero escapar ao enlace de todos os ramos deste retorcido carvalho, ao qual pertenço, como uma dríade.
Eu sou as minhas origens. Em quatro séculos, conto antepassados dos concelhos de Montalegre, Boticas, Chaves, Vila Pouca de Aguiar, Murça, Vila Real, Bragança, Macedo de Cavaleiros, Alfândega da Fé, Torre de Moncorvo, Póvoa de Lanhoso, Braga, Barcelos, Felgueiras, Vila Nova de Famalicão, Vila do Conde, Monção. De Oímbra, Verín, Lobios, Sarreaus, O Irixo, e Cotobade, na Galiza. De Turim, no Piemonte. Do oeste e do sul da Irlanda. Tenho fortes ligações ancestrais à Celtic fringe britânica, à Bretanha, à França, e ao Magrebe.

A Irlanda foi apelidada de “Wolf Land”. No início do século XVII, a perseguição étnico-religiosa do imperialismo levou milhares de “lobos” católicos, irlandeses, ecoceses, e Old English da Éire Ghaelach, a refugiarem-se na Corunha. Para além dos militares e de vários lordes, vieram mulheres, crianças e outras pessoas desvalidas, apelidadas de “gente inútil”, por não servirem para o treino militar. Estes foram enviados, por decreto do rei Filipe III, para o estado do Conde de Monterrei, no sul da província de Ourense.
A assimilação extinguiu a linguagem gaélica e desencorajou o registo de nomes estrangeiros. Com a proibição de atribuir capelas a frades irlandeses que não tivessem completado o processo de latinização numa universidade, a religiosidade cristã céltica foi suprimida. Só o Sidhe encontrou eco e se infundiu no lendário feérico. Durante trinta e quatro anos, a ausência de fronteira propiciou a incursão de gaélicos e seus descendentes galegos, ao longo da raia seca, no antigo concelho de Ervededo, em Trás-os-Montes.

O meu implexo ancestral é relevante. Tive seis bisavós, em vez de oito, e trisavós maternos que também foram tetravós paternos. Descendo de, pelo menos, sete matrimónios luso-galegos, seis deles de Vilarelho da Raia. Sempre existiram uniões semelhantes nas aldeias da antiga freguesia raiana de Vilar de Perdizes. Foi em Montalegre que as minhas diversas origens familiares convergiram.
O meu trisavô Carvalho Júnior foi o distinto professor de Braga que casou com uma professora da vila. Maria Amélia tinha ancestralidade de Boticas, Negrões, Lixa e Almofrei, perto de Pontevedra, na Galiza. Numa aldeia raiana do Larouco, tiveram um lar confortável, que serviu como escola. A minha bisavó Ana de Carvalho também se tornou professora. Um filho e uma filha foram os meus avós, que casaram com naturais e descendentes de famílias raianas aparentadas.

O meu bisavô António Maria de Morais, de Chaves, tinha ascendência do nordeste transmontano, da raia do Alto Minho e de Turim, no Piemonte, norte de Itália. O trisavô dele, Giuseppe Maria Arnaud, tinha apelido do Languedoque. Foi um banqueiro e exímio fabricante de seda, profundo conhecedor de todas as fases do ofício, que geriu durante trinta anos, no norte de Itália. A sua grande fábrica de Turim foi visitada pelo rei e pela rainha de Nápoles, conforme registado em Notizie del Mondo, em Junho de 1785. Ele foi convidado pelo embaixador de Portugal em Turim a oferecer os seus serviços à Coroa Portuguesa.
Chegou a Lisboa, com o filho Caetano Filipe, a 11 de Junho de 1786. Estiveram em Alcântara, passaram pelo Porto, e obtiveram apoios reais para implementarem a indústria da seda em Trás-os-Montes. Fomentaram o cultivo das amoreiras, o ensino da fiação da seda à piemontesa e criaram a Fábrica de Chacim, da qual foram diretores usufrutuários. O meu quinto avô, Caetano José Arnaud, que recebeu os nomes do pai e do avô, era filho de Tereza Brás, uma fiadeira de Valverde, termo de Bragança, e foi o primeiro descendente português.

Legendas:
St Kevin’s Church ou St Kevin’s Kitchen, Glendalough, Wicklow Mountains National Park; 1989, pela minha mãe © All Rights Reserved.
Glendalough, Wicklow Mountains National Park; cemitério com vista para o vale e o lago, 1989, pela minha mãe © All Rights Reserved.
Fotografia de um almoço na casa dos meus trisavós, com família e convidados; Larouco, c. 1920 ©.
Imagem de destaque:
William Henry Bartlett (1809-1854); The Upper Lake of Killarney, taken near the Tunnel on the Kenmare road, Carran Tual in the distance, gravura.

